O medo de cair é um fenômeno multifatorial e frequente entre os idosos. Apresenta influência bidirecional, ou seja, pode ser tanto um fator de risco quanto uma consequência das quedas. Independente da direção, reflete um risco potencial para a instalação de um ciclo vicioso e perigoso para o idoso, caracterizado por inatividade, descondicionamento, restrição de atividades e participação, redução da qualidade de vida e, consequentemente, aumento do risco de quedas1,2.
Ao se tratar da fratura de fêmur, representa uma das lesões ortopédicas mais incapacitantes durante o envelhecimento, possui repercussões tanto físicas quanto psicológicas e está associada a morbimortalidade3. A taxa de recuperação ao status-funcional pré-fratura é um dilema após a correção cirúrgica, estima-se que 40-60% dos idosos recupere seu nível de mobilidade e capacidade de realizar atividades de vida diária (AVD´s), e que 20-60% daqueles independentes previamente possam necessitar de auxílio em alguns autocuidados até dois anos após o incidente4.
Vários fatores estão descritos na literatura por interferirem na recuperação físico-funcional após fratura, tais como, idade, sarcopenia, status funcional prévio, presença de comorbidades e tempo para realização do procedimento cirúrgico5. Neste contexto, insere-se também o medo de cair, uma variável complexa e modificável, que pode não ser identificada nas primeiras semanas de reabilitação, ou até mesmo percebida apenas na fase de retorno ao estilo de vida pré-fratura, mas que parece influenciar na recuperação, principalmente naqueles com boa função prévia6.
Um estudo de coorte realizado na Holanda com 444 idosos residentes na comunidade, avaliou o medo de cair seis, 12 e 52 semanas após a fratura de fêmur, por meio da Short Falls Efficacy Scale International (FES-I), cuja pontuação ≥11 foi considerada como ponto de corte para indicar níveis significativos de medo de cair. A pesquisa demonstrou que após seis semanas de fratura, a média populacional do estudo apresentava pontuação no FES-I em torno de 11, com tendência a discreta redução ao longo do tempo. Os idosos que mostravam medo de cair persistente, caracterizado por FES-I ≥11 em seis e 12 semanas, também denotavam maior dependência nas AVD´s (avaliado pelo Índice de Katz) em três meses após a fratura, e que um ano após o evento, quase um terço dos pacientes exibiam níveis elevados de FES-I (n = 132; 29,7%)7.
Já o estudo de Bower e colaboradores6, com 241 idosos de oito hospitais estadunidenses, identificou que o medo de cair estava presente quatro (60,5%) e 12 semanas (47,0%) após a fratura e, a permanência do medo na 12ª semana foi associada a menores chances de recuperação funcional total um ano após a fratura para os indivíduos com alta performance funcional basal (OR = 0,82 [0,72, 0,93]), contudo, não foi capaz de predizer para aqueles com baixa capacidade funcional prévia (OR = 1,04 [0,91, 1,19]).
Outro achado importante destes autores6 é que a presença do medo de cair pode ser interpretada de duas formas distintas, quando ocorre um mês após a fratura pode ser entendido como algo transitório e adaptativo frente à experiência negativa da queda e de suas consequências, no entanto, quando persistente – por 12 semanas, pode ser indicativo de um processo mal adaptativo, especialmente em idosos mais velhos e com melhor função basal. Tal fato, permite insights sobre o momento oportuno para a investigação dessa variável, a identificação do perfil de paciente mais suscetível ao desenvolvimento e às repercussões negativas relacionadas a recuperação funcional, além do manejo precoce durante o processo de reabilitação.
Gadhvi et al8 compilou em uma revisão sistemática aspectos importantes acerca do medo de cair e da associação com a recuperação físico-funcional após fratura de fêmur em idosos. A prevalência do medo de cair variou de acordo com o tempo perpassado de fratura, sendo de 50-100% nas primeiras quatro semanas, 47-59% por volta de 12 semanas e 23-50% no período de 12 à 58 semanas. O medo de cair foi associado a alterações objetivas (avaliadas por escalas e testes) e subjetivas (percepção do indivíduo) da função física, exemplificadas pela redução do equilíbrio e da velocidade de marcha, pior desempenho físico e função física autorrelatada – apesar desta não possuir poder preditivo prospectivo.
A revisão sistemática também demonstrou evidências limitadas quanto à utilização de tratamento específico ou multicomponentes, como os associados às terapias psicológicas, para melhora do medo de cair, o que foi justificado por alguns fatores como, baixa qualidade metodológica com alto risco de viés dos estudos incluídos, a avaliação do tratamento se apresentou como desfecho secundário nas pesquisas, e a dose dos exercícios estudados foram similares entre o grupo intervenção e o grupo controle, que também recebia cuidados usuais da fisioterapia, o que pode não ter sido suficiente para exibir resultados significativos8.
Roseane Assis Rio Branco Bastos1; Giulliano Gardenghi2
- Fisioterapeuta, Pós-graduanda na Especialização de Fisioterapia em Gerontologia pela faculdade CEAFI, Goiânia/GO.
- Editor chefe da Revista Eletrônica Saúde e Ciência (RESC); Coordenador científico da Faculdade CEAFI –Goiânia/GO Coordenador científico do Hospital ENCORE – Aparecida de Goiânia/GO; Consultor técnico do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital e Maternidade São Cristóvão, São Paulo/SP.
Referências
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- Schoene D, Heller C, Aung YN, Sieber CC, Kemmler W, Freiberger E. A systematic review on the influence of fear of falling on quality of life in older people: is there a role for falls?. Clin Interv Aging. 2019; 24(14):701-719.
- Rana P, Brennan JC, Johnson AH, King PJ, Turcotte JJ. Trends in Patient-Reported Physical Function After Hip Fracture Surgery. Cureus. 2024; 16(7):2-11.
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- Bower ES, Wetherell JL, Petkus AJ, Rawson KS, Lenze EJ. Fear of falling after hip fracture: prevalence, course, and relationship with one-year functional recovery Am J Geriatr Psychiatry. 2016; 24(12): 1228-1236.
- Scheffers-Barnhoorn MN, Haaksma ML, Achterberg WP, Niggebrugge AH, van der Sijp MP, van Haastregt JC, et al. Course of fear of falling after hip fracture: findings from a 12-month inception cohort. BMJ Open. 2023; 13(3): 1-8.
- Gadhvi C, Bean D, Rice D. A systematic review of fear of falling and related constructs after hip fracture: prevalence, measurement, associations with physical function, and interventions. BMC Geriatr. 2023; 23(1): 2-22.